sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Crônicas de Santa Cruz - Parte II



Acho que desta vez comprovei o mito: "Nada é igual como da primeira vez".


Passada uma semana depois de minha jornadinha a lá Bilbo, cá estava eu pronto para outra, numa sequência de 4 jornadas a fim de melhorar meu condicionamento físico. Infelizmente de físico nada depende o sucesso de uma caminhada e sim seu propósito e sua condição atmosférica.

Costumo dizer que caminhar é uma meditação em movimento. Dependendo das condições de clima e estado de espírito o início de uma jornada pode ser desastrosa.

Desta vez estava quente, sol forte às 18h e um vento que amenizava. Como fui em direção oeste peguei o sol de frente nos olhos todo o tempo.

As ameaças de uma jornada sem sentido começou pelo clima, depois as propostas de companhia. Para mim esse exercício serve para a desopilação e o bom exercício de meditar! Então tome cuidado com quem vai te acompanhar. Sem citar nomes posso fala que a Fernanda (minha noiva), autorizada pela minha escolha de uma boa companhia para caminhada, já limitou-se a ir até o asfalto BR 287, cerca de 1km da balacaverna. NUNCA, NUNCA limite-se ou deixe limitar-se pelo horário ou por achar que não tenha capacidade, isso pode prejudicar sua jornada e principalmente não leve alguém com esse pensamento. Lá se foi a Fê...tudo bem, outro dia arrasto ela.

O Iuri seria uma boa companhia. Pequeno "Elemental" desbravador de matas e trilhas as vezes se torna imprudente e inconsequente no afã de descobrir novos "mundos". Em vez de seguir comigo na minha rota tem a tendência de inventar algo diferente, mais "promissor" a aventura e logo me convidou para fazer outra trilha, e o que é pior com o cachorro dele o PLATÃO. Sinceramente eu preciso caminhar e meditar e não ser babá do Platão...ou será que ele seria a nossa babá? Companheiro felpudo do Iuri , tem trazido uma experiência fantástica para o pequeno Hobitt Will (Iuri). Poderia ser uma boa mas isso me tiraria do meu objetivo. Esse seria o erro dois: sair do meu propósito pelo propósito de outro. Lá se foi o Iuri.



Eis que dentre tantos outros sobrou o meu amigo João. Boa pedida pois ele faz parte das reuniões dos Druidas nos Carnutes nas quintas, dia da jornada e ponto de chegada. Um excelente companheiro de meditação poderia junto exercitar essa técnica sublime transcendental de caminhar e flutuar em outras dimensões paralelas. Ledo engano. Apesar de ser um avatar nesta época, o Joãozinho se deixa sempre levar pelo maior carrasco de nossos dias: o horário de trabalho. Mesmo assim combinei com o dito de encontrá-lo no meio do caminho, pois ele sairia de Passo do Sobrado e iria até a sede dos druidas, a chacrinha da Celi. De lá ele iria voltar a pé e me encontrar no meio do caminho. Porém, acredito que ele fez a sua própria meditação em movimento e de tão absorto nisso ao volante, passou por mim e não me viu. Foi direto a Celi e ficou por lá entretido com as plantinhas de lá. Erro três: Seja você mesmo o seu condutor e não espere dos outros que façam parte de seus devaneios. Lá se foi o João.



E eu, meti o pé na estrada novamente. Me sentindo sem um braço, pois não tinha passado em casa e pego meu cajado, saí um pouco desasado da UNISC, após uma parada para esperar o sol baixar.
Atravessei o mesmo loteamento e notei que aquele não era um lugar muito seguro para passar pois ainda é um canteiro de obras vazio...não totalmente. Alguns craqueiros já se organizavam para um festim logo ali embaixo das árvores. Passei sem olhar, pensando em meu cajado. Se eu o tivesse não teria receio destes "Orcs". Deu nada.
Cheguei ao asfalto e me senti como um soldado em marcha. Pois meu passo se acirrou. Eu preferia ser mais rápido desta vez por causa do Sol.
Metros a frente primeira surpresa, uma casca inteira de uma pequena cascavel. Mau sinal deveria tomar cuidado com as cobras neste calor. E o meu cajado...
Passando a primeira ponte e segunda, já me encontrava no meio do caminho. Os pensamentos começaram a entrarem estado meditativo e tudo começava a se reestruturar em minha mente até que encontrei mais uma casca, completinha, de cobra bem no meio do meu caminho com a outra. Seria um sinal? Mau sinal...
Minha meditação se foi também, pois dali para frente comecei a me preocupar com a presença das cobras de asfalto. O sol me cegava, bem de frente. Fui interrompido pelos latidos dos cachorros do ferro velho ao lado da BR, pareciam que estavam vindo em minha direção. E o meu cajado...
Comecei a procurar um substituto.
Passando por mais esse obstáculo, já enxergava a Linha 01. Uma jornada sem dúvida com gosto de receio, medos e sem o gostinho de caminhada despreocupada com da outra vez. Chegando cada vez mais próximo do meu objetivo pensava em duas coisas somente: “Mas o João que não aparece”? E o cajado? ¨
Esperei um pouco e entrei na linha 01. Meio que com um ar vazio dentro de mim. A jornada 2 não fora como a outra com certeza, mas deu para se tirar uma boa liçãozinha, a citada no início do texto.
De repente, ao olhar para o lado da estradinha de chão batido, lá estava... UM CAJADINHO, prontinho repousava na valeta. Bem, antes tarde do que nunca. Peguei-o e segui, olhando a plantação de milho do lado da estrada ao entardecer. Um fino sentimento nostálgico me pegou e pude até sorrir um pouco lembrando-me do suco da Celi, da nossa reunião de magos e da sopinha a meia noite. O que me fez lembrar que o que te espera, depois da jornada, pode ser o ponto mais importante deste exercício.

Coloquei a câmera no chão para bater um foto daquele momento e de repente quem surge em seu opala azul com branco...o João. Vindo do lado contrário com o seu sorriso de menino vadiu e moleque sem dono.

Veja a foto abaixo e descubra o que aconteceu com a câmera!



sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Crônicas em Santa Cruz - lá e devolta outra vez.



Uma das coisas que mais gosto e que praticava mesmo antes de ser chefe escoteiro é as longas caminhadas. Depois, durante a minha vida escoteira fiz jornadas incríveis, longas e difíceis, mas sempre fantásticas.

Já faz um ano que não fasso "aquela" jornadinha. Mas há uns dias atrás já havia falado que durante meu treinamento de recuperação e regime eu iria fazer o exercício que mais gosto, caminhar.
Não demorou muito para eu traçar o plano: ir até a chácara de minha amiga Celi a pé.
Fica perto daqui, uns 8 km do centro da cidade. Mas para quem este enferrujado como eu, já está de bom tamanho. E no mais o plano não era à distância e sim recuperar o espírito livre de quem caminha e ama a natureza.
A tarde se apertou em meu trabalho, mas logo pelas 16h eu estava pronto. Liguei para o meu amigo João e dei as minhas coordenadas. Nós nos encontraríamos mais tarde na chacrinha da Celi, como de costume todas as quintas. Se eu saísse as 17h e 30min passaria pelo João e Marilene no meio do caminho, pois sabia que antes das 18h eles não iriam se deslocar pra lá.
Bem fui até em casa e isso já fica a uma boa distância daqui da Bala caverna. Como comi pouco ao meio dia resolvi repor as energias antes mesmo de perdê-las. Comi uma deliciosa gelatina, comi umas batatinhas e tomei suco. Preparei minha mochilinha com uma muda de roupa, minha carteira, minha fiel faca "rambo", nunca se sabe o que se vai encontrar por aí, água, minha jaqueta, pois o dia estava muito nublado querendo trazer chuva e...um cajado.
De repente, parado em minha porta, com a mochila nas costas e testando o peso do cajado me dei conta que estava perecendo de fato o velho Bilbo, pronto para sua última jornada pelas montanhas. Senti um ar alegre dentro de mim, de satisfação. Estava eu ali, livre de horários, de compromissos, no meio da semana, no meio da tarde e com a estrada me esperando... estufei o peito e saí.
Eu estava tão feliz e me sentindo eu mesmo com o simples ato de libertar me da vida normal que saí conversando com o zelador. Percebi que minha pequena fala, irradiando essa liberdade, atingiu o pobre trabalhador, que deve ter se impregnado desse meu sentimento, expressou um sorriso de satisfação e abriu o portão para mim.
Era como se eu estivesse saindo de um campo de concentração e fugindo pelas ruas de uma cidade inimiga.
Quanto mais avançava mais com vontade eu ficava de me livrar daquelas casas ao meu redor, impregnadas de mesmismo. Daqueles cachorros manícos, tolhidos por uma cerca e seus donos com cara de débeis olhando seu "filhinho" se esguelando em latidos atormentadores e ensurdecedores, jogando-se contra as grades ou cercas desesperados a tentar me pegar. Pobrezinhos, queria levá-los todos comigo, para esperimentar essa pequena liberdade que eu mesmo me proporcionei. Falo em levar os cachorinhos.

Pensei em fazer o possível para encurtar o caminho até a BR, o asfalto. Então olhei longe as pequenas montanhas que ficavam atrás da localidade da linha 1, onde era meu destino. Tracei uma linha reta e segui. Logo teria que passar pela Universidade UNISC. Sem problemas, Daria perfeitamente para entrar no portão sudeste e sair no portão oeste, um atalho que não tinha mais fim. Passei pelo portão oeste finalmente. Estava me aproximando mais da BR, mas precisava de mais um atalho.

Vi que fizeram um novo loteamento ligando a rua onde eu estava e a BR 471 que se encontra com a BR 287 a qual me levaria ao meu destino.

A cada passo que dava e avançava a BR senti me mais jovem, mais liberto...oh Deus! Obrigado pelos meus pés.

Olhei as pessoas que passavam por mim, me olhando estranhamente. Afinal estava na cara que com uma mochila nas costas, de bermuda e tênis, boné e um cajado eu iria a um lugar muiito longe a pé.

Pobres coitados, preocupados em chegar em casa logo para tomar o café da tarde ou jantar. Depois sentar na frente de suas casa com seus cachorros maníacos tomar um chimarrão ouvindo as fofocas da mulher. Quando muito vão para frente da TV olhar o maior veneno das telecomunicações: as novelas.

Será que algum desses já conseguiu sair de sua rotina algum dia?

Estou na BR 471, o fluxo dos carros aumenta. Saí do loteamento pelo meio de um matinho, subi um barranco e saltei na BR. Uma carroça com melancias vinha vindo, o homem nela deve ter pensado que eu era um fugitivo ou sei lá, pois deu de açoite no cavalo que disparou com as melancias.

Lá na frente enxerguei o cruzamento. Começo perceber as coisas que não vemos enquanto estamos de carro.

Enfim a BR! Decido que vou parar apenas após as pontes. Não tenho fome, não tenho sede.

O vento sopra mais forte e o dia nublado fica fresco e escuro aumentando a miha satisfação. Não poderia estar melhor. Amo andar na chuva era só isso que poderia faltar agora para completar ainda mais essa fabulosa jornadinha.
Sozinho, caminhado ao lado contrário dos carros, começo a exercitar a meditação em movimento e falo comigo mesmo. "Será que a Fernanda gostaria de fazer isso?". "O Iuri acho que gostaria". "Não. não quero pensar em contas". "O Tinga iria adorar!"

Olhei para a primeira ponte e vi um carrinho de papeleiro ao lado da estrada aparentemente abandonado. Atravessei com receio. Continuei a seguir em frente. Quando estava entrando na ponte, me surpreendi com o dono do carrinho sentado ao lado da estrada, um pouco abaixo, em meio ao capim alto.

Era com se fosse um lorde, sentado em uma cadeira de praia toda arrebentada, mas de pernas cruzadas, pitando um cigarrinho, olhando o movimento da estrada despreocupadamente. Uma cena interessantíssima. Parecia um lorde mendigo. Resolvi cumprimentá-lo e ele em uma educação digna de um lorde levantou-se da cadeira e me cumprimentou de lá; "boa tarde senhor"- e voltou a sentar .

As coisas que vemos e descobrimos em uma jornadinha...


Seguindo em frente percebo que a BR 287 está péssima, com buracos e rachaduras que dá medo. As águas das enchentes derrubaram muito das encostas ribeirinhas nos 3 riachos que passam por debaixo, me dando a impressão que a tragédia de agudo semana passada pode se repetir.

Começo a sentir dor em meus pés agora, passado uns 6 km de caminhada. Mas e o João que não passa por mim? Devem ter se atrasado.
De repente lá estou eu, em frente à entrada da linha 1. Parei por uns instantes, um sentimento estranho tomou conta de mim. Era como se a brincadeira terminasse bem na hora boa. Tão rápido e seco.

Lembrei-me do caos que deixei para trás em Santa Cruz. As batidas das obras, o som ensurdecedor da música de péssimo gosto que os carros tocam, os débeis tomando seu chimarrões olhando para a rua sem sentido no olhar, o trânsito desrespeitoso, as mulheres com suas suplex a desfilar seus bundões em desfiles cortejantes fantasiados de "caminhadas pela saúde", os jovens enlouquecidos vomitando seu feromônios fazendo de seus carros e motos a extensão de seu falso sentido de liberdade.




Celi me recebe com um abraço fraterno e um bom suco de pêssego. Estou na "casa da bruxa". Sento um pouco até o Opala com o João e Marilene chegarem para completar nossa alegria. A noite começava e minha brincadeira de ser o Bilbo terminava ali.

Valeu a pena... convido a todos que lerem isso a SEREM LIVRES um pouco, de sua vida. Não escute ninguém, apenas o jovem menino que tem dentro de cada um de nós. Respire fundo e dê o primeiro paço.



Verá que quando voltarem para sua vida voltarão mais e mais fortes...e sábios como o Bilbo



Rafael Amorim - o Bala